quinta-feira, 1 de abril de 2010

NOTÍCIAS A SILVÉRIO (carta poética)

Na gangorra do cotidiano
Dias de poças de lama
Precipício e correnteza surda
Na rua sombra e engano
Um grito que se estrangula

Expandir-se num cubículo
Abrir os olhos em água salgada
A vertigem do redundante vício
Incômodo feito unha lascada

Acariciar a fúria
Sem recolher os dedos
Oferecer petúnia
Rasgar lamentos

Alimentar a razão
Equilibrar-se na fé
Tentar à exaustão
Cair e manter-se em pé

Ana Suelen Pisetta
25/03/2010

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

INAUDÍVEL

Encolher sentimentos
Dobrá-los milimetricamente
Para que se possa engoli-los
Fazendo-os escorrer
Num labirinto longínquo

Ausente na língua
Para que não sopre infortúnio
E não se dilacere em íngua

O gosto , porém, permanece
Talvez haja vestígios no hálito
Sentimento assim não fenece
Sobrevive amordaçado e ávido

Amar em ciranda, insana
Atrai mal olhado, desanda
Antes nascer como planta
A viver com sentimento enjaulado

Ana Suelen Pisetta


terça-feira, 16 de setembro de 2008

AUTO-RETRATO

Sou uma qualquer
Dessas que caminham invisíveis
Sem um rebolar sequer
dessas imperceptíveis

Levo a cara lavada
A boca sem batom
A roupa larga
Os pés no chão

Não sou feia nem bonita
Tenho a face do meu nome
Não procuro um sobrenome
Serei sempre senhorita

Sou avulsa nessa vida
Sem futuro nem raiz
Por vezes sou pudica
Outras vezes meretriz

Não me enfeito em laços
Não disfarço meus defeitos
Estou além desses meus traços
Não me conquistam galanteios

O tempo tudo apaga
Apagará qualquer gracejo
O que sou cá aqui por dentro
Terá sempre algum ensejo

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

SONETO - INSÔNIA


Na penumbra noturna
abri os olhos pesados
espiei caolha a lacuna
temendo ouvir passos

O silêncio caíra sonoro
Pude escutar seu peso
Além do pingo de cloro
Estalido com desprezo

O ar sonolento e gélido
Tocou a nudez do rosto
Escarninho, fulo e fétido

A cama ruidosa estalava
O medo do escuro se fez
Ausente de fé, eu rezava
MEDITAÇÃO

Suspensa em singular cronologia
Paraliso o momento e me desconheço
Decifro meus desejos e anseios, fria
Absorta em indagações a esmo

Gradativamente permito a passagem
Nada se faz intransponível ou ausente
O tudo que existe toma forma em imagem
Contaminando a realidade decadente

Compartimentos incrédulos se acumulam
Numa vastidão voraz que carrego
Ocos se emolduram
Numa cadência incessante de ecos.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

CIRCO


Não vá pensando que sou pura
Que não sou má
Tenho eu também desejos de
Vingança
e não costumo acalentar
lembranças para
Enfraquecer meu ódio

Não se acomode a estabilidade
Que te paira
Imaginado ser eu imaculada
Sou humana, como todas outras,
Como tu

Desfaço-me do que disse
Se assim precisar
Proteja-se contra minhas pragas,
Rogue compaixão
E não fuja

Me levarás sempre contigo
Não se pergunte nada
A resposta está comigo
Fique assim rendido
Ou me obrigarás
A atear fogo
No nosso circo colorido.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

INSTINTOS

giro em passos de valsa
nua, louca, amarga
agarrada a um vestido virgem
canto baixo ao seu ouvido
entupido

esparramada em pedregulhos
pontiagudos, amorteço
e teço cada teia
que te amarra

fito com palpável adoração
seus olhos que não sei a cor
ânsias de uma volúpia anciã
que não se cansa

âmago sedutor que invade
e percorre a devastação
de um corpo frouxo,
incasto,
dançante sem passos

tu que adentras
por todos meus poros
age como morfina
me estrangula
com monossílabos

tu que me torce
que me lê do avesso
que me chama
que me esquece

nua, dançando
em solo imaginário
e abandonada à autodidaxia
de amar você